Havia, muito tempo atrás, uma família que passava através das gerações a crença de que era uma maldição nascer no décimo terceiro mês dos anos que tinham treze meses. Mas os pais da pequena Briar Rose não conseguiram evitar que ela viesse ao mundo em um mês como aquele.
Com muito medo de que algo nefasto acontecesse à sua filha, era comum que eles a levassem com frequência para consultas com astrólogos, quiromantes e cartomantes. Sem conseguir respostas claras sobre que ameaças pairavam sobre o destino da criança, procederam com extrema cautela nos cuidados com a criação da menina.
Uma criança belíssima, alegre, que sorria e brincava com todos que a viam nas manhãs das cerimônias religiosas da cidade. Eram tempos de prosperidade na região, fruto do estabelecimento de uma nova rota comercial – conquistada com muito sangue em terras bárbaras. Enquanto novas residências, lojas, estalagens, oficinas e praças somavam-se à urbe, Briar Rose levava uma infância feliz.
Raras vezes saía da casa, que era um palacete de estilo antiquado construído no centro do orgulho da família: um enorme jardim, que parecia ser verdejante mesmo nos invernos mais rigorosos, como se a Natureza poupasse àquele rincão da cidade a sorte garantida para toda a vizinhança. Seu tempo era dividido entre as lições da tutora (que foi contratada para administrar uma rigorosa educação em domicílio), as refeições de cada período e as brincadeiras vespertinas. Era comum a companhia da filha de uma das criadas ou de algumas poucas vizinhas permitidas pelos seus pais.
A leveza dos dias quase a fez esquecer. Mas nas noites de lua nova, quando a escuridão tentava afogar as plantas da propriedade e as lamparinas dos aposentos faziam esforço redobrado, uma troca de olhares apreensivos entre a mãe e o pai era suficiente para que a menina, que era cada vez mais uma moça, sentisse intensa fragilidade à mercê do próprio futuro.
Certa vez foi despertada pelo canto dos sabiás e, ao se levantar, viu que os raios de sol revelavam diversas pétalas de rosa sobre seu leito. Um olhar mais cuidadoso, auxiliado pelo tato, corrigiu a impressão inicial. Era sangue, e tinha mais nas roupas de Briar Rose, que, assustada, correu para o quarto dos pais em busca de ajuda.
Nas semanas seguintes não houve sossego: novas visitas às autoridades das artes divinatórias na região foram realizadas. Os pais de dela temiam que a maldição viesse bater à porta daquela nova fase da vida em que a menina havia entrado. Não, não era mais uma menina. Agora era uma mulher e o tempo das brincadeiras teria que ceder ao tempo de garantir a continuidade da família. Filha única, dela dependeria a manutenção da linhagem ilustre à qual os três pertenciam.
Sob absoluto sigilo, viajaram além das montanhas. Desceram caminho tortuoso para o bojo de um vale pouco habitado, onde vivia uma senhora que tinha fama de bruxa. Rose saciou sua curiosidade em relação ao mundo como nunca antes. Espiando entre as cortinas da carruagem, tentava absorver o máximo possível da miríade de cenas que previamente pertenciam somente à esfera da imaginação, que era fertilizada pela literatura e pelos relatos das amigas.
Após acomodarem-se como possível no casebre da bruxa, ela cobriu a cabeça da jovem Briar Rose com um véu negro. Então colocou um punhado de sementes variadas na mão esquerda e uma vela roxa e acesa na mão direita da menina, que sentava em um banco de ébano. Em silêncio, a velha observou a moça. Até que falou:
– A criança não contém maldição. Mas, se não tomarem cuidado, ela pode ser exposta às tantas que rondam pelo mundo. Ela tem, sem dúvida, uma espécie de fraqueza.
Depois de queimar as sementes num fogareiro, de guardar a vela e o véu, a bruxa fitou o casal por alguns instantes. Baixou os olhos e aconselhou-os de modo críptico:
– Nunca permitam que uma agulha traiçoeira se aloje na menina através da pele e dos tratos superficiais. Se isso acontecer, será a ruína da família. E a sua filha dormirá, porém sem descanso, até ser beijada por um príncipe. Agora vão. É só o que eu tenho a dizer.
Quando caía a noite, chegaram em casa. Logo mandaram as criadas jogarem fora todas as agulhas e objetos semelhantes. No dia seguinte, a casa e os jardins foram vasculhados. Foi decretada a proibição, sob pena de demissão, da entrada de qualquer um daquelas ferramentas banidas. Briar Rose estava proibida de sair dos limites da casa.
O confinamento não representou uma mudança na rotina dela, que fora criada sempre ao alcance imediato do pai e da mãe. Seus momentos de maior liberdade, até então, tinham sido as brincadeiras no jardim em que ela e as outras meninas fingiam serem animais na floresta. Mas agora as visitas tornavam-se cada vez mais escassas, além de restritas ao salão da residência. Era visível o desinteresse das amigas, que também já estavam se tornando mulheres e igualmente imigravam para o tempo das tarefas do lar.
Alguns anos passaram, nos quais ela dedicou-se a aprender a cuidar das plantas. Essa era a única atividade do lar permitida pela mãe, que dizia ser desnecessário realizar qualquer uma das outras, pois seriam sempre exclusivas às serviçais. Desfrutava, então, da maior parte dos dias exercendo a jardinagem ou sentada nos bancos, entretida com algum romance de cavalaria – eles estavam na moda naquele tempo. A exuberância do jardim nunca fora tão grande. Nas primaveras, inúmeros pedidos de visitação eram enviados. Mas bem poucas eram permitidas.
Corada pela luz do Sol, bem alimentada e com a alma preenchida pelos conteúdos da farta biblioteca da qual dispunha, Briar Rose era uma linda jovem de cabelos castanhos que sorria ao encontrar abelhas trabalhando sobre as flores que ela cultivava. Seus olhos transmitiam a serenidade de quem vive sem ansiedade em relação ao dia seguinte e sem remorso do que acontecera nos anteriores. Na falta de tesouras, podava com delicadeza os galhinhos que não vingavam, usando as mãos com paciência.
Os pais estavam bastante decididos a encontrar um marido para sua filha. Ele traria mais riqueza para a família e assumiria a tarefa de manter Briar Rose à salvo da maldição. Tanta beleza, somada a um dote considerável, seria mais do que suficiente para atrair um excelente candidato. Nobre, de casa próspera e, quem sabe, com vínculos poderosos. Durante meses o pai e a mãe estudaram, planejaram e combinaram, por correspondência, uma recepção com o objetivo de apresentar Briar Rose à família mais rica possível dentre as que tivessem rapazes ou homens disponíveis para o matrimônio. Guardaram tudo isso em segredo, sem qualquer menção do assunto à donzela, para não importuná-la e para que ela não pudesse atrapalhar os preparativos.
Num belo dia de Outono uma carruagem muito ornamentada adentrou os portões do palacete. Dela apeou os únicos integrantes remanescentes do clã mais rico da península, de estirpe antiga e prestigiada: uma viúva e seu filho único, homem feito que acabara de retornar dos conflitos com os bárbaros. Juntos, possuíam domínio sobre dezenas de moinhos e contavam com a fidelidade – por endividamento – de quase uma dúzia de vassalos. Alguns diziam que era riqueza proveniente da velha ordem, mas que tendia a durar caso fosse bem administrada.
Durante as apresentações formais no salão, a curiosidade de Briar Rose só não era maior do que o seu constrangimento. Ainda muito surpresa com a chegada de uma visita, e ainda mais com o propósito que ela tinha, sentia-se paralisada como as joaninhas nas teias das aranhas do jardim. Com base nos poucos olhares que ousou lançar, achou que seu pretendente era razoavelmente bonito. Tinha um ar de cavaleiro, porque afinal voltara da guerra, mas era bem diverso da idéia que ela fazia de um deles. Os romances não os retratavam com um olhar agitado e uma barba com falhas. Quando seus olhares se cruzaram, ela teve a impressão de estar sendo cobiçada. O que foi, pra ela, um pouco assustador. Não saberia como reagir.
Após o chá, sua mãe pediu que ela fosse mostrar o jardim ao cavalheiro, com essas palavras. Assim, as cabeças das famílias poderiam discutir questões aborrecedoras como o dote, a cerimônia, enfim, os arranjos pré-nupciais e a fina costura dos negócios.
Caminhando pelo passeio em direção ao pomar, Briar Rose se esforçava para transmitir naturalidade ao homem que a seguia. Discorria sobre as mudanças nas folhagens, os pássaros que voltariam na Primavera, o riacho que corria perto da cerca dos fundos. Nomeou todas as flores, apontou quais ervas serviam para fazer tempero ou chá. Ele não parecia impressionado e não fazia comentários. Seu silêncio foi interpretado como originário de uma franca ignorância acerca da botânica, mas o que esperar de alguém tão diferente dela? Com o tempo ele poderia se interessar. Ela continuava exibindo seu conhecimento enquanto criava coragem para perguntar sobre paisagens e costumes estrangeiros com o qual ele certamente deveria ter tido contato.
Sob a copa da maior e mais antiga macieira, Briar Rose deteve-se e, com muito jeito, retirou uma bela maçã. Ofereceu a fruta com a mão esquerda e um sorriso, com o intuito de criar um primeiro laço com aquele senhor taciturno.
Ele aceitou-a com um gesto inesperado. Sua mão agarrou tanto a maçã quanto a mão que a ofertou. Um passo adiante e ele a encarava de perto. A moça tentou se afastar, mas a árvore estava às suas costas e assim, por algum motivo, sua amiga pareceu ser conivente com o abraço descabido no qual o homem tentava prendê-la. Em pânico, debateu-se como pôde. Um nó na garganta a impediu de gritar por ajuda enquanto o veterano a deitava entre as raízes e a vegetação rasteira.
Fora de si, sentindo náuseas e o correr das lágrimas, quase não percebeu a dor que a cortava o ventre. Sentia o peso daquele corpo estranho, o cheiro de maçã e a textura do capim. Via o Sol por entre os galhos e os globos vermelhos, maduros, nascidos entre eles. Não parecia real, aquela dor não era dela, pois não pertencia ao mundo que conhecera. Desfaleceu achando que tudo era um terrível pesadelo.
Nunca contou a ninguém. Ao retornarem à casa, os contratos já haviam sido feitos. Em estado de choque, subiu quieta para seu quarto, onde caiu num sono denso. Tudo acontecera tão rápido... E o tempo pode correr assim? Estava acostumada a um ritmo manso e livre de surpresas. Daquele dia em diante as coisas foram se dando com muita velocidade.
Casório com poucos convidados, muitos presentes caros e insignificantes. Seus pais mudaram para uma propriedade ainda mais suntuosa, a meio dia de viagem, que foi conseguida na barganha do matrimônio. Deixaram o conselho veemente de que o mais sábio seria manter todo cuidado com Briar Rose, para que ela não saísse de casa, evitando o perigo da maldição, para o bem dela.
Os dias, para a recém-casada, se alternavam com muita fluidez. Eram passados sobre o leito da própria cama, com visitas freqüentes das criadas, que traziam refeições (geralmente desperdiçadas) e ocasionais do marido (em que ele sempre tirava proveito), acostumado a passar semanas percorrendo outras propriedades.
A bela Briar Rose não acompanhava mais o calendário e as estações. Apenas sonhava em sua cama, quer estivesse acordada ou adormecida.
Afastando a folhagem de uma orelha-de-elefante, avistou, ao longe, uma floração amarelada. Caminhando entre as árvores, com cuidado para não tropeçar em pequenos vasos onde se refugiavam violetas, avançou até reconhecer um ipê amarelo. Sempre quisera uma árvore dessas no seu jardim, mas como fazer pra transplantá-la da floresta para o quintal da sua casa? Enquanto pensava nisso, notou um movimento brusco à sua direita. Troncos estavam mudando de lugar? Correu por um baixio de riacho seco, com medo. Olhando pra trás, percebeu que na verdade eram as patas de uma aranha-marrom, gigantesca, que a perseguia. Escorregou numa pedra lodosa. Queria gritar, mas as cordas vocais não vibravam, como se entrelaçadas.
Quem abriu as janelas? O Sol ofuscava a mobília do quarto, mas era um começo de tarde frio. Após fechar também as cortinas, seu anel dourado escorregou para debaixo da cama. Examinou suas mãos, que estavam guarnecidas por falanges de aparência frágil. Esgueirou-se para baixo do leito, em resgate à jóia. Era uma noite de Lua nova em um campo poeirento. Nenhum sinal do anel. Teve a sensação de que havia insetos ou talvez um rato com ela. Queria retornar, mas sua cintura estava inchada e dificultava o movimento. Começou a chorar, em vão.
Era noite e o jardim descansava em silêncio. Uma procissão de poucos integrantes seguia adiante, carregando lampiões. Pareciam medir o terreno, murmuravam cifras. De repente estava no pomar, e nem sinal deles. Uma chuva fina e gelada caía. Sob a meia-luz da Lua crescente, avistou uma árvore morta. Espalhadas no entorno, centenas de pétalas de rosa.
Boldo para curar os enjôos, é claro. Desde cedo aprendera a colher a erva no canteiro, mas não a preparar o chá. Uma borboleta monarca flutuava por ali. Era um dia nublado. As heras escalavam pelas grades de madeira da casa. Ouviu o som de cascos em marcha, cada vez mais nítido. Sentiu tontura e agarrou-se ao dossel, ofegante. No braço direito, marcas de mordidas abaixo do ombro. Sim, devia ter rato ali. Se fossem seus pais chegando numa carruagem, pediria um pedaço de torta de maçã, bem quente. Nunca negavam os desejos do seu apetite, não importava a receita.
Estava escuro de novo, exceto por algumas frestas das janelas. Devia ser Lua cheia. No quarto abafado tinha mais alguém. Mãos suadas pressionavam seu peito. O corpo não tinha mais forma, só um incômodo volume, e se movia contra a vontade dela. Lembrou, sem comoção, das montanhas que avistara tempos atrás. Estava acostumada a refazer o trajeto na mente, nas noites de embate. Ai, o rato. Eram as noites quando sonhava com uma luta entre ela e exércitos de cavaleiros, munida de um regador mágico causador de dilúvios.
A provação durou da alvorada ao anoitecer. Da dor nasceu o Sol, da tristeza nasceu a Lua. Vozes se alternavam ao seu redor. Em direções diferentes do quarto, às vezes ela enxergava a mão que vestia um anel. Finalmente acharam? Havia também muitas outras, mas elas só vestiam vermelho ou carregavam panos quentes. Viu descer do teto uma noite sem estrelas.
Os sonhos passaram a ser escassos. Dormia agora ao comando dos remédios que um cura trazia a cada lua. A casa tinha sons diferentes. Ou melhor, a casa voltara a ter sons. Nunca mais foi mordida pelo rato e, às vezes, de noite, tinha a impressão de ver uma senhora silenciosa espreitando pela porta entreaberta.
Muito tempo correu assim, e nele Briar Rose lentamente recuperava as forças em sua cama, sem saber o significado do que lhe traziam os sentidos. Mas com o retorno da saúde, veio também a lucidez. Concluiu que o marido decididamente não a visitava mais e a senhora da casa era a sogra viúva.
Através das janelas do quarto pouco se via. A vegetação envolveu a casa com ramos entrecruzados e folhagem hirsuta. O jardim não era mais que um terreno abandonado aos caprichos da flora e da fauna. Os vencedores ocuparam seus espaços e prosperaram.
Conforme a diminuição das dosagens que recebia, já sentia se apta a travar diálogos simples com as criadas – que eram totalmente desconhecidas. Com algum esforço descobriu que seus filhos eram um casal de gêmeos que já sabiam andar bem. Eram pálidos e retraídos. A velha sogra tratava-os com autoridade, como se fosse a mãe, e não os deixava saírem para o jardim, território que ninguém tinha interesse em cuidar.
Seus pais haviam falecido em um naufrágio, havia mais de um ano. Seu marido, com base na invalidez da esposa, fixara residência em uma região do outro lado do país, onde levava uma vida de excessos. A viúva havia criado interesse nas crianças e planejava fazer do menino um cavaleiro e da menina uma boa noiva, com o fim de seguir acumulando riquezas, influência e perpetuar a família.
Muitas informações de uma vez só, e algumas delas eram difíceis de processar. Durante muitos dias manteve-se ainda no quarto, sonhando ou observando as mudanças do céu através das folhas da janela aberta. Sentia que não tinha forças pra alterar os rumos da sua vida ou a dos seus filhos, que, aliás, eram proibidos de subir até o quarto dela.
Era noite e os grilos faziam por onde serem ouvidos em toda a região. Via a casa dormir sem qualquer incômodo. Andava por corredores estranhos com janelas e portas familiares. De uma destas saiu um cavalo marrom, ferido no pescoço, que avançava pelo corredor a plena carga.
Era dia e um vulto ligeiro oscilava entre as folhas da janela. O som de asas em movimento a fez temer que um grande inseto do jardim havia achado seu esconderijo. O bicho havia entrado no quarto, pousando na escrivaninha. Instantes após cessar de se mover, Briar Rose tomou coragem e espiou para fora das cobertas. Era uma andorinha que agonizava sobre seus livros empoeirados.
Era noite e o silêncio dos aposentos intimidava. Movimentação livre só era possível graças à sutileza. Caçava figuras gravadas em metais variados. Aos poucos pilhava todos ao seu alcance, aproveitando as horas de calmaria. Um tesouro de pirata que era seu, para enterrar onde quisesse.
Cuidava do pássaro dia e noite, bem junto de si. Era a primeira amizade em muitos anos. Com ele discutia novos planos, uma promessa de liberdade. Logo, refeita e bem alimentada, a ave dava sinais de querer partir de volta para o céu aberto.
As mãos de Briar Rose carregaram, com aquele antigo cuidado que nunca esquecera, o pássaro até o limiar da janela. Ele bicou a ponta dos dedos da mulher, mas essa dor não era incômoda, de forma alguma. A fez com que se sentisse viva. Sussurou “adeus, meu príncipe” e contemplou a ave ascender ao nível das árvores distantes, onde sumiu.
Era noite de Lua nova e as luzes da casa, à distância, ofereciam fraca resistência à escuridão. A altura da mata ultrapassava a cintura. Imaginava perigos ocultos no caminho, mas não tinha medo. Mesmo no caos do jardim abandonado, em poucos minutos os fachos de luz já incidiam sobre o belo arbusto de oleandro, que crescera muito mais do que a jardinagem de outrora permitia. Suas flores rosa-claro, reveladas assim em segredo, pareciam a imagem da inocência. Briar Rose sorriu. Era alegria, enfim, o que ela trazia consigo além das muitas folhas colhidas do arbusto, enquanto regressava à casa. Duas mariposas tentavam entrar também, através das janelas, sem chance de sucesso.
Nunca havia tido a oportunidade de trabalhar um pouco na cozinha, mas quando os outros dormiam o espaço era só dela. Sem pressa, logrou preparar seu chá, que depositou num copo de prata.
Reuniu coragem para adentrar lentamente no quarto da velha senhora. Um ronco baixinho incentivou um progresso mais célere até o lado da cama. Com muito cuidado, tapou o nariz da viúva para que ela abrisse a boca, e então derramou um pouco da infusão de folhas de oleandro, que já havia esfriado. Correu com passos leves para se esconder atrás das cortinas enquanto a velha tossia, espantada com o amargor, e tomava um copo d’água que esperava numa mesinha. A senhora da casa fez menção de chamar alguém ou levantar-se da cama. Mas voltou a dormir depois de alguns minutos, pois tudo parecia em ordem e era normal acordar sobressaltada de vez em quando.
Deitada em seu quarto, Briar Rose não conseguia dormir. Viu o céu se iluminar de laranja antes de vestir o uniforme azul. Quase na hora do almoço, veio a notícia de que morrera a matriarca.
Desorientadas, as criadas pediram orientações à nova senhora do lar. Sem qualquer preocupação com o destino da defunta ou da casa, as ordens foram a de que arrumassem uma mala de roupas para cada criança e mandassem chamar uma carruagem.
Reuniu algumas vestimentas, dobradas com cuidado, ao espólio das suas expedições noturnas, dentro da mesma bagagem.
Então, quando o Sol descia para que o mundo dormisse, partiu com seus filhos para muito, muito longe. Onde viveu.
(reconte um conto de fadas)